quinta-feira, abril 03, 2008

O BIDU


Baixei o disco "O Bidu - Silêncio no Brooklyn" de Jorge Ben. Certamente uma das mais antológicas obras da música contemporânea brasileira. Conhecera num dia em que estava remexendo nos bolachões herdados de meu pai e, devo dizer, foi um dos dias mais felizes e sentimentais de minha vida aquele, ouvindo-o e lembrando do véio em suas poses e gestos mais notórios; dos clássicos domingos de manhã ensolaradas em que acordava e arrastava os pés até a sala para lá sentar ao seu lado e ouvir Jorge, Tim, Elis, Hyldon, Cariocas e tantos outros.

A coisa toda começa com "Amor de Carnaval", uma levada que mistura samba com forró e xote. Em seguida, embalado pela mistura de ritmos do candomblê, regados a muito berimbau, Jorge anuncia, em "Nascimento", a chegada do Príncipe em festa no Congá. "Jovem Samba" é o embrião do samba rock ouvido por todos os lados hoje em dia ("o meu caso é viver bem / com todo mundo e com você também / vamos trabalhar em paz / na paz de Deus / vamos amar em paz / vamos sambar em paz, porque... eu sou da Jovem Samba / a minha linha é de bamba"). "Rosa mais que nada" é samba, claro, tudo é samba em Jorge Ben; mas, entre pianos e levada leve e suave de percursão, ouço a alma do jazz. Depois da declaratória "Canção para uma fá", temos a clássica "Menina Gata Augusta", que se resume pelo refrão "e eu um pobre gatinho / que nunca tem vez / pois fico esperando outro dia chegar / quem sabe a gatinha p´ra mim vai olhar / e o pulo do gato eu vou lhe ensinar".

"Ela é toda colorida / ela é a coisa mais meiga / mas que pena / ela não ser o meu amor / pois só eu sei / que ela não sabe / que ela é minha namoradinha eterna", e por aí vai "Toda Colorida", uma exaltação ao amor eterno, permeada por tudo que há de mais clássico na música de Jorge Ben, tanto em ritmos como em técnicas vocais. O samba, rock e jazz se completam inteiramente, com piano, violão, xilofone, percursões e até palmas, em "Frases" ("há 6000 anos o homem vive feliz fazendo guerra e asneiras / há 6000 anos Deus perde tempo fazendo flores e estrelas" e "eu sou um homem sincero porque nasci e cresci vivendo livre / eu sou um homem sincero que quero morrer, nascer e viver livre" - clássico!). Depois da marcha de carnaval "Quanto mais te vejo", "Vou Andando" retoma os emblemas da raiz do samba rock. "Eu sou da pesada" é uma bossa romântica (é nela que se ouve pela primeira vez Jorge trocando fonemas, ao chamar sua amada de "meu anzo"). A bolacha termina com "Si manda", retomando a levada forró/xote do início e demonstrando, nitidamente, que, na época do vinil, um disco era uma obra completa, com início, meio e fim.

O mais interessante do disco é que ele está perfeitamente inserido no contexto da música de sua época, mas vai muito além do que até então fora feito. A Bossa Nova é idolatrada e funciona sempre de base; porém, contraditoriamente, é transgredida pela inclusão de ritmos nordestinos e africanos e o predomínio do samba.

Salve Jorge!, sempre.

Um comentário:

Anônimo disse...
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