sábado, novembro 26, 2016

Hasta Siempre Compa Fidel


Ouça, Fidel tem algo a nos dizer O percurso de Fidel Castro foi tão intenso que por muito tempo será como se continuasse por aqui. Sua relevância vincula-se à da ilha na qual lutou como um leão para provar que certas ideias pertenciam ao mundo através da ação. Deixar uma obra inconclusa, porém não derrotada, em disputa, foi sua maior vitória. Num tempo em que a utopia perdeu o seu horizonte de transição, Fidel ergueu pilares de uma ponte inconclusa, mas não derrotada, que dialoga com nossos desafios e hesitações. 

Cuba ainda magnetiza, a ponto de ostentar uma estatura geopolítica dezenas de vezes superior ao seu tamanho demográfico e territorial. Ali, mesmo ameaçada por escombros, pulsa a ideia de um mundo novo e fraterno. Enquanto essa pulsação respirar em nós, Fidel será relevante. 

Para começar, digamos aos céticos que não é comum que um país tenha seu nome imediatamente associado, em qualquer lugar do mundo, a sinônimo de audácia, soberania e justiça social. Tampouco é trivial uma nação ser confundida com a legenda da bravura e da resistência heroica ao imperialismo predador e desumano por mais de meio século. Todas essas exceções viram regra quando as letras se juntam para formar a palavra Cuba, imediatamente associada a outra, ‘Fidel’. 

A pequena ilha do Caribe, na verdade um arquipélago de 4.195 restingas, ilhotas e ilhas, soma um território de apenas 110 861 km² (pouco maior que o de Santa Catarina). Os cubanos formam um povo de 11,2 milhões de pessoas. Cuba, porém, está a léguas de ser uma simples ocorrência ensolarada no cardume das pequenas nações. Por uma razão que ela transformou em referências desde 1959: ali se experimenta uma outra organização da sociedade humana, alternativa à fundada na exploração, no consumismo e no individualismo. Esse reduto desassombrado acaba de agregar um novo epíteto ao seu trunfo: Cuba é considerada a experiência social e econômica mais próxima daquilo que se almeja como sociedade ambientalmente sustentável no século XXI. 

É assim que a lendária ilha do Caribe se agiganta no concerto das nações: sendo a ponta de lança da humanidade em muitas frentes. As quatro letras de seu nome condensam um dicionário de experiências, de esperanças, de vitórias, de tropeços, de lições e de problemas no caminho da construção de uma sociedade mais justa e convergente. 

Depois do desmoronamento do mundo comunista, tornou-se a mais longeva e atribulada experiência no gênero trazida do século XX para o XXI. Isso faz dela essa ponte de múltiplas conexões que singularizam e magnificam a sua presença em um tempo em que a utopia socialista perdeu o seu horizonte de transição. Ao mesmo tempo em que a razão de ser dessa travessia avulta torridamente atual. Os picos de desigualdade no capitalismo, o ocaso ambiental da humanidade, e tudo o que isso denuncia em relação às formas de viver e de produzir em nosso tempo, são uma evidência dessa teimosa pertinência. 

Tome-se o caso dos EUA, para deliberadamente radiografar o cenário mais favorável da opulência produzida pelo capital. Os perdedores do sistema compõem um contingente grande o suficiente, e desesperado a um ponto que se desconhecia, que um semi-fascista acaba de ser eleito por eles com a promessa de acudir uma aflição sem resposta nos mecanismos convencionais do mercado. Nunca a desigualdade foi tão aguda. Jamais a probabilidade de que ela solape as bases da sociedade foi tão presente. Não é Fidel Castro quem o diz. A advertência foi feita em 2015 pela contida presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, Janet Yellen. Os abismos sociais no núcleo central do capitalismo atingiram o ponto em que, segundo a discreta Yellen, os americanos deveriam se perguntar se isso é compatível com os valores dos Estados Unidos. 

Em uma conferência em Boston, a presidente do Fed informou que os níveis de desigualdade nos EUA são os mais altos em um século. “A desigualdade de renda e riqueza estão nos maiores patamares dos últimos cem anos, muito acima da média desse período e provavelmente maior que os níveis de boa parte da história americana antes disso”, afirmou. Cuba não poderia ser tomada como um contraponto histórico a esse espiral. 

A ilha jamais concluiu a transição para onde decidiu caminhar em 1960. Tangido pela truculência imperial norte-americana, Fidel Castro proclamou, então, a natureza socialista e marxista do governo. Um ano antes havia derrubado a ditadura de Fulgêncio Batista e iniciara uma reforma agrária que intensificou a guerra da elite local e estrangeira contra o novo regime. 

Cuba nunca se propôs a ser um modelo. Desde o início foi uma aposta. De olhos voltados para o relógio da história. Quem já não ouviu a velha glosa segundo a qual ‘se não existe socialismo em um só país, quanto mais em uma só ilha’? 

Nem os irmãos Castro, nem Che, nem nenhum dos pioneiros que desceram de Sierra Maestra para tomar o poder no réveillon de 1959 imaginavam desmentir esse interdito estrutural. A aposta alternativa, porém, tampouco se consumou. Um punhado de golpes de Estado sangrentos e preventivos que tiraram a vida de milhares de pessoas e seviciaram um contingente ainda maior em toda a América Latina, fizeram dos anos 60 e 70 um cinturão profilático em torno da grande esperança cubana. 

Todas as artérias que poderiam misturar seu frágil metabolismo ao corpo vigoroso de uma integração regional progressista latino-americana foram cirurgicamente seccionadas. Lembra algo em curso no continente nesse momento? Não é uma miragem. É uma tranca da história que nunca se recolheu de fato. 

A ação conjunta das elites, da mídia e dos exércitos, das federações empresariais, dos judiciários carcomidos de ideologia conservadora, dos partidos conservadores orientados e auxiliados pela mão longa do Departamento de Estado e da CIA, foi e é implacável. Cuba é o limite da resistência a isso. Razão pela qual parece agonizar permanentemente. Mas, ao mesmo tempo, resistir. 

Durante meio século o cerco asfixiante –que teve no embargo econômico iniciado em 1962 a sua fivela mais arrochada-- não cedeu. A obsessão conservadora contra a aposta cubana, símbolo de múltiplas transgressões em relação aos valores e interesses das plutocracias regionais, ficou comprovada mais uma vez nas eleições presidenciais brasileiras de 2014 . 

Em um dos debates mais virulentos da campanha, o candidato conservador Aécio Neves, que derrotado passou a operar o golpe ora no poder, trouxe a ilha para o palanque. O tucano acusou o governo da candidata à reeleição, Dilma Rousseff, de cometer duas heresias do ponto de vista do cerco histórico à audácia caribenha. 

A primeira, o financiamento de US$ 802 milhões para a construção de um porto estratégico de um milhão de containers na costa cubana de Mariel, a 200 quilômetros da Flórida. A obra, capaz de transformar Cuba em uma intersecção relevante do comércio entre as Américas, foi denunciada por Aécio como evidência de cumplicidade com o castrismo. Mariel se somou a uma ampla parceria na área da saúde, igualmente bombardeada. Através dela, mais de 11 mil médicos cubanos ingressaram no país, onde asseguram assistência a 50 milhões de pessoas. 

O programa Mais Médicos, que levou doutores cubanos a lugares onde profissionais brasileiros não querem trabalhar, é um dos alvos do desmonte social em curso no Brasil assaltado pelo golpe de Estado de 31 de agosto que uniu a mídia à escória, ao dinheiro grosso e ao judiciário dos juízes de exceção. 

O reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba –em águas incertezas, após a vitória de Trump-- trincou as patas desse discurso. A calculadora política do conservadorismo opera –e age-- ancorada na certeza ideológica de que a ‘ilha’ é apenas uma ditadura enferrujada, falida, desmoralizada e fadada à reconversão capitalista. Jamais uma fonte de lições ao regime de mercado ou aos limites da democracia tolerada pelo capital. 

Cambaleante, servia à demonização de qualquer traço de planejamento econômico que viesse afrontar a proficiente autorregulação dos mercados. Morta, jogaria a pá de cal nos resquícios estatistas e socializantes teimosamente colados à tradição da esquerda latino-americana. 

O vaticínio sincronizou o tempo de vida do regime ao do metabolismo de Fidel Castro –cujo epílogo antecipado foi tentado inúmeras vezes pela CIA e fracassou. Paciência. Sua morte, finalmente concretizada, é esse o diagnóstico da grande Miami instalada na alma das elites locais, fará a implosão do regime diante da qual os agentes e os mercenários tropeçaram, desde a desastrosa tentativa de invasão da baía dos Porcos, em abril de 1961. 

A impressionante resistência daquilo que se imaginava mais frágil do que tem se mostrado ingressa, a partir deste 26 de novembro de 2016, num período novo, mas dificilmente de fastígio das previsões conservadoras. Em edição de 2014, a revista New Left Review arrolou dados interessantes sobre a resiliência da frágil sociedade cubana diante da dupla adversidade imposta pelo embargo americano e o fim do apoio russo, após o esfarelamento do bloco comunista. 

No momento em que toda a América Latina, o Brasil à frente, depara-se com uma encruzilhada histórica encharcada de regressão, é inescapável a atualidade da lição de luta e desassombro embutida nessa travessia. Por maior que tenha sido a rigidez política de que se acusa o regime –e até por conta da explosão que esse fator unilateral acarretaria-- Cuba só não virou pó graças a três fatores: planejamento público, à organização social, consciência política de amplas camadas de sua gente. 

Não se trata de mitificar um caso de custo humano e social elevadíssimo. Mas de enxergar na experiência extrema da adversidade, o alcance mitigador da variável política, reafirmada no reatamento diplomático norte-americano. Nesse sentido, o retrospecto da épica luta do povo de Cuba fala aos nossos dias e à realidade que constrange as forças progressistas brasileiras 

Ao contrário da presunção que vê no degelo que precedeu a morte de Fidel o atalho da conversão capitalista tantas vezes frustrada, a resistência pregressa enseja outras esperanças. O discernimento político e social acumulado pela sociedade cubana figura talvez como o mais experimentado laboratório de ponta da história para resgatar o elo perdido do debate latino-americano sobre a transição para um modelo de desenvolvimento mais justo, regionalmente integrado, cooperativo, democraticamente participativo e sustentável. 

Se a morte de Fidel –assim legada por ele como mais uma aposta política-- desmentir a derrocada desses valores, dará inestimável contribuição para fixar o chão firme capaz de desenferrujar a alavanca histórica. Não é pouco. E pode ser muito do ponto de vista do imaginário e da agenda regional, assediados no momento pelo coro diuturno da restauração neoliberal. 

A épica sobrevivência da pequena ilha, cuja morte anunciada era um poderoso trunfo conservador, expõe heroicamente a chance de se quebrar a rigidez das circunstâncias econômicas com o peso dos interesses históricos da maioria da população (leia editorial http://cartamaior.com.br/…) Isso confere algum otimismo para brindar o final de 2016 como um horizonte em aberto na história brasileira e latino-americana. 

Nenhuma experiência em marcha reúne mais provações e adversidades que aquelas afrontadas e vencidas por Cuba. Alguns tópicos do retrospecto criterioso feito pela New Left Review comprovam isso. 

1. Ao perder o apoio russo nos anos 90 e diante da ‘teimosa recusa’ em embarcar em um processo de liberalização e privatização, a "hora final" de Fidel Castro parecia, finalmente, ter chegado; 

2.Cuba enfrentou o pior choque exógeno de qualquer um dos membros do bloco soviético, agravado pelo saldo do longo embargo comercial norte-americano; 

3.A dramática recessão iniciada em 1990 exigiria uma década para restaurar a renda real per capita anterior à derrocada do mundo comunista; 

4. Sugestivamente, porém, Cuba saiu-se melhor em termos de resultados sociais, comparada às economias do bloco comunistas atingidas pela mesma borrasca e ancoradas em uma base econômica até mais sólida; 

5. A taxa de mortalidade infantil em Cuba, em 1990, foi de 11 por mil, já muito melhor do que a média no leste europeu; em 2000 ficaria ainda abaixo disso, apenas 6 por mil, uma melhora mais rápida do que a verificada em muitos países da Europa Central que haviam aderido à União Europeia; 

6. Hoje, a taxa de mortalidade infantil em Cuba é de 5 por mil ; um desempenho superior ao dos EUA, segundo a ONU, e muito acima da média latino-americana; 

7. Não só. A expectativa de vida da população cubana aumentou de 74 para 78 anos na década de 90 --mesmo com a ligeira alta das taxas de mortalidade entre grupos vulneráveis nos anos mais difíceis; 

8. Hoje, após 55 nos de embargo e 26 de fim do apoio russo, a ilha ostenta uma das expectativas de vida mais altas do antigo bloco soviético e de toda a América Latina; 

9. Não se subestime as terríveis privações, o custo humano, econômico e político cumulativos. A solitária busca de uma luz em um túnel claustrofóbico, década após década, cobrou um preço alto do povo cubano; 

10. A superlativa dependência da economia em relação às exportações de açúcar para a Rússia era proporcional ao estrangulamento da estrutura produtiva decorrente do bloqueio norte-americano—um garrote estava ligado ao outro, em dupla asfixia; 

11. A conta só fechava graças a uma cotação preferencial paga pelo Kremlin: uma libra de açúcar enviada à Rússia gerava US$ 0,42 em receitas a Havana; cinco vezes a cotação mundial do produto (US$ 0,09); 

12. Até a derrocada do bloco comunista, as importações cubanas equivaliam a 40% do PIB; delas dependiam 50% do abastecimento alimentar da população e mais de 90% do petróleo consumido. Era um pouco como o superciclo de commodities que ao se esgotar desencadeou as pressões políticas e econômicas afloradas agora na América Latina e no Brasil; 

13. Mesmo com o ‘superciclo do açúcar’, o déficit comercial cubano de US $ 3 bilhões tinha que ser refinanciado generosamente pela União Soviética; 

14. Essa rede de segurança se rompeu abruptamente em janeiro de 1990 e sumiu por completo há 23 anos. As receitas propiciadas pelo açúcar cairiam em 79%: de US $ 5,4 bilhões para US $ 1,2 bilhão. As fontes de financiamento externo que mitigavam o embargo americano evaporaram; 

15.Washington viu aí a oportunidade de bater o último prego no caixão de Havana, como se fez aqui, com o golpe. As sanções e represálias comerciais e financeiras contra países e instituições que facilitassem o acesso de Cuba ao crédito comercial foram acirradas. Deu certo: enquanto nos países do leste europeu, a transição pós-Muro (1991-1996) amparou-se em um fluxo de crédito externo da ordem de US$ 112 dólares per capita/ano, em Cuba esse valor foi de US$ 26 dólares per capita/ano. 

16. O resultado foi um dramático cavalo de pau no comércio exterior: Cuba caiu de uma das taxas de importações mais altas do bloco comunista (de 40% do PIB), para uma das mais baixas (15% do PIB). Todas as tentativas de Havana de diversificar e ampliar seu leque de exportações esbarravam no embargo norte-americano. Alguma surpresa pela gratidão emocionada de Fidel em relação a Chávez, que por anos a fio garantiu um fluxo de petróleo à ilha, na base do escambo, em troca de serviços médicos e sociais? 

17. Ainda assim, a penúria foi de tal ordem, que o manejo puro e simples do racionamento não explica a sobrevivência do regime; 

18. Quando o ferramental econômico já não respondia mais e patinava em círculos, Havana viu-se diante de duas escolhas: render-se ao lacto purga ortodoxo (como está sendo imposto ao Brasil) e rifar a ilha numa apoteótica rendição capitalista, ou apostar no seu derradeiro trunfo: a resposta coletiva liderada pelo Estado, ancorada em uma longa tradição de planejamento, mobilizações de massa, debate popular e participação direta da sociedade nas tarefas nacionais; 

19. A opção escolhida instalou uma rotina de prontidão na ilha, como se a população vivesse permanentemente na antessala de uma catástrofe natural em marcha; 

20. Cortes ensaiados em serviços essenciais treinavam a sociedade para a defesa civil em mobilizações coordenadas envolvendo fábricas, escritórios, residências, escolas, hospitais; 

21. A segurança alimentar básica foi planejada com disciplina férrea e mantida em condições de escassez extrema; Cuba soçobrou, gemeu, contorceu-se e acumulou recuos. 

O regime recorreu às forças extremas de sua organização política e social para enfrentar restrições equivalentes às de uma guerra, que se estende por meio século, a mais longa de que se tem notícia no mundo moderno. Mas a sociedade não se desmanchou, nem se rendeu. Sem ilusões. 

Cuba continua a ser uma construção inconclusa, que independe de suas próprias forças para se consumar. Como tal, enseja debate, comporta retificações e, sobretudo, cobra agendas desassombradas – e não apenas em Havana. 

O reatamento das relações diplomáticas com os EUA, por exemplo, poderia ser um acelerador desse processo. A morte de Fidel, ao contrário da rendição inapelável prevista nos prognósticos conservadores, pode levar a ilha a surpreender de novo, ao não sucumbir à fatalidade tantas vezes anunciada. 

Mas se mantendo como uma ponte inconclusa, a cobrar de outros povos e nações a reinventar a transição rumo a uma sociedade mais justa e libertária no século XXI. O ano de 2016 está sendo muito, muito duro com a esperança progressista brasileira e latino-americana. Mas foi muito mais dura por 55 anos com a esperança cubana. 

Fidel e sua gente não desistiram. Ao contrário: ‘Não há um átomo de arrependimento em mim’, dizia. 

Obrigado, companheiro Fidel, por esse legado. 

Agora é a nossa vez, 

‘Hasta la victoria, siempre!

fonte CARTA CAPITAL

quarta-feira, novembro 09, 2016

Lista de Retrocessos no Governo Temer

*Atualizado até a presente data ** Não incluídos julgamentos retrógrados da Suprema Corte (hoje julgam "terceirização) 🔺Primeiro governo sem mulheres desde a ditadura 🔺Extinto o Ministério do Desenvolvimento Agrário 🔺Extinto o Ministério de Ciência e Tecnologia (agregou-se ao de telecomunicações) 🔺Previdência Social deixa de ser ministério 🔺Enfraquecimento e desmonte do INSS 🔺Extinta a Controladoria Geral da União 🔺Serra racha com os parceiros do Mercosul e da África 🔺Ministro da Saúde quer igrejas no debate sobre aborto 🔺Governo acaba com subsídios à baixa renda no Minha Casa, Minha Vida 🔺Ministro Torquato Jardim diz aos servidores: quem não se identifica ideologicamente deve sair 🔺R$ 58 bi em reajustes e criação de 14.419 novos cargos 🔺Ministro do Planejamento diz que não haverá concursos até 2018 🔺Revisão da demarcação de terras indígenas e desapropriações 🔺Mudanças no programa de saúde indígena 🔺Temer suspende negociação para receber refugiados sírios 🔺Sucateamento da EBC 🔺Políticas sobre drogas serão conduzidas por coronel 🔺Interrupção das bolsas do Ciência Sem Fronteiras no exterior 🔺Sancionada pulverização de agrotóxicos por aviões em áreas urbanas 🔺Desmonte do Conselho Nacional de Educação 🔺General que apoia ditadura indicado para presidir a Funai 🔺Alteradas as regras do pré-sal 🔺Governo deixa de exigir pesquisa de antecedentes criminais para nomeação em cargos comissionados 🔺Escola sem Partido 🔺Estudantes de graduação estão fora do Programa Ciências Sem Fronteiras 🔺Presos pela Polícia Federal perdem direito a ver advogados 🔺Demissões em massa na cultura e na saúde 🔺Exonerações em massa na área social 🔺Agora é o governo que decide se candidato que se diz negro em concurso é mesmo negro 🔺Governo tirou distribuição de renda das metas do orçamento 🔺Venda do Bloco de Carcará 🔺Aumento para ministros do STF 🔺Serra nomeia policial envolvido no massacre do Carandiru no Itamaraty 🔺Governo cria grupo de trabalho para implementar plano de saúde “acessível” que retira recursos do SUS 🔺CNPq corta 20% das bolsas de iniciação científica 🔺Temer corta 45% dos recursos de investimento das universidades 🔺Ministério do Esporte suspende edital que garantia investimentos em modalidades olímpicas depois da Rio 2016 🔺Bolsas de produtividade do CNPq devem ser reduzidas de 20% a 30% em 2017 🔺Bolsistas da CAPES no exterior não têm mais a obrigação de voltar ao país 🔺Não foi realizada a compra de livros didáticos para o EJA que se inicia em janeiro de 2017 🔺Portaria n° 02 do MEC propõe reduzir vagas no ensino superior 🔺Cancelados 80% dos auxílios-doença e aposentadorias por invalidez 🔺Banco do Brasil executa plano de demissões voluntárias com meta de 18 mil servidores 🔺Veto de recursos para crianças com deficiência do BPC 🔺Suspensa a renovação de contratos do programa Farmácia Popular 🔺Fim da diretoria de políticas para mulheres rurais 🔺Fim da pensão integral por morte 🔺Fim das bolsas de residência médica até 2017 🔺Corte da verba destinada à reforma agrária 🔺Reforma do ensino médio via medida provisória 🔺Proposta de mudança na lei de venda de terras a estrangeiros 🔺Retirada de recursos para a educação infantil (creches) 🔺Corte na banda larga de 6 mil unidades básicas de saúde 🔺Fim da regra da menor tarifa em concessões de rodovias 🔺Itamaraty extingue departamento de combate à fome 🔺Orçamento da Funai é o menor em 10 anos 🔺Discute-se a revogação da portaria sobre trabalho escravo 🔺Revogação do sistema de avaliação da educação básica do MEC 🔺Simpatizantes da ditadura nomeados para a comissão de anistia 🔺Proposta de reforma previdenciária com aposentadoria mais tardia 🔺Proposta de congelamento dos investimentos públicos por 20 anos 🔺Retomada da cobrança de INSS pra quem já é aposentado 🔺Substituição de software livre por empresarial (pago) em todas as esferas do governo

terça-feira, novembro 01, 2016

‘Faz 20 anos que a esquerda só pensa em eleição’, alerta João Pedro Stedile

Em entrevista ao portal Sul 21, o coordenador nacional do MST questiona: “Qual é o programa que essa classe média apresenta para sair da crise? Golpe na Dilma! Mas isso não é programa, não resolve nenhuma das três crises.”


Publicado originalmente no Sul 21 em 24-8-2015 e reproduzido pelo Brasil de Fato





21/08/2015 – PORTO ALEGRE, RS, BRASIL – entrevista com João Pedro Stédile e congresso da CUT. Foto: Guilherme Santos/Sul21



Há alguns meses, ou mesmo anos, João Pedro Stédile, uma das principais lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vem repetindo algumas advertências dirigidas à esquerda brasileira, relacionadas à evolução da conjuntura política nacional e internacional. Uma dessas principais advertências consiste em alertar sobre a importância de não resumir a luta política à luta eleitoral e de não sucumbir às armadilhas da política tradicional, como abraçar o financiamento privado de campanhas como um método natural de fazer política.


A crise política iniciada após a reeleição de Dilma Rousseff e a ofensiva da oposição e dos setores mais conservadores do país com o objetivo de derrubar a presidenta eleita pelo voto popular recolocou essas advertências na ordem do dia.


Na última sexta-feira, Stédile esteve em Porto Alegre para participar de um debate na abertura do 14º Congresso Estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em entrevista ao Sul21, ele falou sobre a conjugação de três crises no presente – econômica, política e social –, sobre as movimentações de seus principais protagonistas e seus possíveis desdobramentos. E apontou aquele que considera ser o principal desafio da esquerda neste período: “Construir força popular organizada. A esquerda desaprendeu a fazer trabalho de base, de conscientizar o povo, de fazer pequenas reuniões. Faz 20 anos, que a esquerda só pensa em eleição”, disse Stédile.


Sul21: Na última semana, tivemos uma nova série de manifestações contra e a favor da presidenta Dilma Rousseff e a denúncia oferecida contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na tua opinião, como esses eventos influenciam no atual clima de instabilidade política que marca a conjuntura nacional?


João Pedro Stédile: O Brasil está vivendo um período muito confuso e complexo onde, a cada semana, surgem fatos que complicam mais ainda a leitura da conjuntura na qual inserem esses dois episódios que citou na tua pergunta. Essa complexidade, na avaliação do MST e dos movimentos sociais como um todo, deve-se ao fato de estarmos vivendo um período que conjugou três crises.


Temos uma crise econômica, que afeta a economia brasileira que não cresce há dois anos e deve ficar ainda mais uns dois sem crescer, com um forte processo de desindustrialização que já se reflete inclusive na classe trabalhadora, com aumento do desemprego e diminuição do salário médio. Temos também uma crise social, cuja ponta do iceberg apareceu nos protestos de junho de 2013. O governo adotou uma retórica de diálogo, porém, todos aqueles problemas sociais que eram substrato para as mobilizações de junho, nenhum deles se resolveu, pelo contrário. Os problemas da moradia, do transporte público, do acesso à universidade, todos eles se agravaram. Essa crise social ainda não eclodiu, está latente, mas existe. E, por fim, temos uma crise política cuja origem é o sequestro da democracia brasileira feito pelos capitalistas por meio do financiamento privado das campanhas eleitorais. As dez maiores empresas do país financiaram cerca de 70% dos parlamentares, processo este que gerou os Cunha da vida e os seus 300 aliados. Hoje, a população não se reconhece nos políticos. Diversas pesquisas de opinião apontam os políticos com o menor índice de credibilidade. Então, temos uma dicotomia aí. O que acontece na política não reflete na sociedade, ou só reflete negativamente.


Todos os dias nós temos evidência dessas três crises. Se lermos o Valor Econômico, por exemplo, veremos os reflexos da crise econômica. Se consultarmos os movimentos populares ouviremos relatos de todos eles sobre os problemas sociais que vem se avolumando. E, na política, é o que você citou. Todo dia temos fatos novos.


Sul21: E quais são, na sua avaliação, os possíveis desdobramentos dessa conjugação de crises?


A dificuldade para sair dessa crise geral é que as classes ainda não se puseram de acordo sobre o que fazer. Seria preciso criar um novo bloco histórico e social que se constituísse numa maioria capaz de encontrar a saída. Isso, em geral, se materializa em períodos eleitorais. O problema é que nós acabamos de sair de uma eleição. Então, nós vamos levar quatro anos, durante todo o governo Dilma, para encontrar essa maioria. Essa é a dificuldade.Nessas tentativas de saída de crise, o que está sendo mais ou menos sinalizado? A burguesa, no sentido clássico do termo, mais conhecida como os empresários ou o poder econômico, já apresentou a sua proposta de saída. Não é um programa formalizado, mas vem sendo apresentado em suas reuniões e discursos. Essa proposta consiste em realinhar a economia brasileira aos Estados Unidos, que foi um pouco o que aconteceu em 1964. A ideia é que os americanos venham para cá, invistam e tirem a economia da crise, ampliando o mercado para as empresas brasileiras que entrariam de maneira subalterna numa relação com a economia industrial norte-americana. Em segundo lugar, consiste em diminuir o papel do Estado, que hoje se expressa nas propostas de cortar gastos sociais, de diminuir o número de ministérios, de diminuir os gastos com a Previdência, etc. Tudo isso é firula para voltar a velha tese de que o mercado é que resolve.


Em terceiro lugar, é diminuir o custo da mão de obra. Esse é o programa deles, que ainda não pode ser explicitado, pois, em sua essência, esse programa é o neoliberalismo, que foi derrotado nas últimas quatro eleições. Eles não podem simplesmente apresentá-lo de novo. Precisam dourar a pílula. Então, a burguesia está fazendo esse movimento para tentar construir uma maioria em torno do seu programa. Como fazem isso? Pautando essas propostas no Congresso Nacional. Todas as iniciativas do bloco do Eduardo Cunha caminham na direção desse programa: diminuir custo, diminuir Estado, privatizações, abrir a economia e reaproximá-la com os Estados Unidos. Além disso, também pautaram o Judiciário e a grande mídia comercial, da qual a Globo é a grande porta-voz. Esse movimento representa o maior grau de unidade que eles conseguiram até agora, com manifestações da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), do Renan Calheiros, presidente do Senado, e com setores do PSDB. Tenho absoluta convicção, pela recente entrevista do Mendonça de Barros, que Serra e Alckmin, embora não possam aparecer publicamente, concordam com esse programa. Mas eles não podem aparecer.


Sul21: Você referiu o movimento que vem sendo articulado pelo grande empresariado e seus braços políticos para a superação da crise. E quantos aos demais setores da sociedade, é possível vislumbrar alguma movimentação que busca saídas para os atuais impasses?


Nós temos outro segmento, que é a chamada classe média, ou pequena burguesia como denominava Marx. Estamos falando aqui daquela classe média que o Marcio Pochmann menciona no Atlas da Exclusão Social, que, pela renda que tem, representa entre 5 e 10% da população e que sonha um dia em virar burguesia. Qual é o programa que essa classe média apresenta para sair da crise? Golpe na Dilma! Mas isso não é programa, não resolve nenhuma das três crises. Por isso que a burguesia, que é mais esperta, está dizendo para eles: Calma, vocês podem ficar latindo aí na Paulista, em Copacabana, mas isso não é saída para a crise. O próprio Temer disse isso para eles quando afirmou que não adiantava colocá-lo no lugar da Dilma, pois a crise tem outras raízes. Pelo contrário, se houvesse um golpe institucional, se criaria uma quarta crise, uma crise institucional, que levaria os movimentos sociais e populares para as ruas. Isso desarrumaria todas aquelas regras do Estado burguês que, apesar da crise política, todo mundo segue respeitando.


Se isso acontecesse, por que não poderíamos, por exemplo, pedir o impeachment do Sartori ou do Alckmin, cujas campanhas também foram financiadas por empresas privadas. Então, a saída dessa classe média é burra. A nossa sorte, e a deles também, é que representam uma parcela muito pequena da sociedade. É por isso que as mobilizações deles não aumentam. E tem que ser feitas sempre no domingo, né? É muito mais um festival, ao qual eles têm direito, do que propriamente uma luta política.Do lado de cá, temos a classe trabalhadora, que não está conseguindo apresentar um programa de saída para a crise. Neste momento, as direções de organizações como CUT, UNE, MST, os movimentos de luta pela moradia, estão tentando unificar uma agenda. O que conseguimos construir de unidade até aqui é um programa defensivo contra o golpe, em defesa dos direitos, contra o neoliberalismo, ou seja, é uma defesa do passado, não é avançar como nós queremos. Então, para a classe trabalhadora também está sendo difícil construir um programa propositivo capaz de retomar a ofensiva na direção das mudanças que defendemos. Essa é uma dificuldade real e é neste ponto em que nós estamos.


Sul21: Quais as perspectivas de superar essa dificuldade?


Espero que, nos próximos meses consigamos avançar na direção desta unidade da classe trabalhadora para construir um programa, não defensivo, mas que apresente propostas para a saída das crises econômica, política e social. Talvez já tenhamos uma maior unidade no tema da crise política, com a defesa de uma Reforma Política construída por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte. Este Congresso não fará essa reforma e os partidos não têm força para aprová-la no cenário atual. No fundo, a saída de um programa construído pela classe trabalhadora vai depender de um componente que ainda não está no cenário, que é a classe trabalhadora se mobilizar e ir para a rua. Até agora, só foram para a rua as mediações, os militantes. A grande massa segue sentada em casa assistindo tudo pela televisão. Por isso que as nossas mobilizações também têm mantido o mesmo tamanho.Contudo, essa massa e as nossas mediações têm uma arma potente que ainda não foi usada: a greve geral, que afeta diretamente o lucro dos capitalistas. A perspectiva de parar a produção um dia, dois dias, uma semana, coloca em pânico a burguesia. No fundo, esse é o maior medo que eles têm. Por isso não querem ver o circo pegar fogo, pois a lona cairia também sobre as suas cabeças.


Sul21: Você mencionou algumas organizações há pouco que estão tentando unificar uma agenda comum e não mencionou nenhum partido político entre elas. Considerando que o partido que vem governando o Brasil há 13 anos atravessa uma série crise política e os demais partidos de esquerda parecem não ter força para apresentar uma alternativa, a conjuntura está convocando os movimentos sociais a assumir um maior protagonismo, a exemplo do que ocorreu na Bolívia há alguns anos?


É evidente que os partidos políticos no Brasil, tanto os da burguesia quanto os da esquerda, estão em crise. Os da burguesia foram substituídos pela Globo. Quem dirige ideologicamente as ideias da direita no Brasil é a Globo. Os dirigentes partidários da direita brasileira estão completamente desmoralizados. Estão aí os Eduardo Cunha, os Ronaldo Caiado da vida. E a esquerda precisa fazer uma autocrítica séria porque caiu só no eleitoralismo e, mesmo nesta esfera, não se preocupou em defender uma reforma política. Ao invés disso, fez o jogo da burguesia, abraçando o financiamento privado das campanhas e caindo na arapuca que a Lava Jato expressa. Se não mudarmos as regras políticas, não vai ser de dentro dos partidos que virá a solução. Os partidos já estão enlambuzados. Uma reforma política rejuvenesceria os partidos mas estes não têm força para colocar massa na rua em defesa dessa reforma. Então, isso só poderá ser feito por meio de uma ampla coalizão de todas as forças populares, com todas as formas de mediação de que a classe trabalhadora dispõe, sejam pastorais, sindicatos, movimentos populares, partidos, etc.Agora não é o momento de discutir quem vai ser protagonista, mas sim de juntar todas as forças para fazer um debate na sociedade e junto às nossas bases sobre quais são as saídas para a crise que está posta e é inegável. Eu não sei como será essa saída.


Isso dependerá da correlação de forças e da dinâmica da luta de classes. Acho muito ruim queremos copiar algum exemplo. Tenho visto algumas pessoas dizendo que temos seguir o exemplo do Podemos, da Espanha, ou do Syryza, da Grécia. A história da Espanha é outra e o Tsipras durou apenas três meses. Então, cada país tem a sua dinâmica e nós, brasileiros, teremos que inventar a nossa. A ousadia que nos cabe é inventar. Quando quisemos copiar, erramos. Quisemos copiar o modelo do financiamento privado de campanhas. Deu no que deu. O componente principal da ousadia que precisamos ter é que precisamos levar esse debate para as massas e fazer com elas se mobilizem e decidam ir para as ruas, criando uma efervescência, um novo dinamismo na política brasileira. No meio dessa efervescência, também vão surgir novos líderes. Não adianta ficar olhando para trás e procurando onde estão os líderes do passado. A dinâmica da luta de classes vai forjar novas lideranças e novas formas de organização também.


Sul21: Na tua opinião, há um avanço de ideias e valores conservadores no Brasil, de uma direita mais orgânica e extremada, ou é muita fumaça o que está aparecendo nas ruas?


Eu acho que é muita fumaça. Nas raízes do povo brasileiro há energias muito saudáveis. O povo brasileiro é solidário, trabalhador e digno. Agora, essa fumaça é resultado da hegemonia ideológica da burguesia nos meios de comunicação. A Globo é a principal responsável pela projeção desses falsos valores, desse negativismo que afirma que todo mundo é corrupto. Ela projeta essas ideias e valores todos os dias, em suas novelas, em seus noticiários. Aí devemos buscar a causa dessa fumaça que esconde a realidade. E nós não temos meios de comunicação de massa alternativos. Ficamos lutando em trincheiras, com uma página aqui, um boletim ali. Não temos um meio de comunicação nacional que consiga fazer esse debate com a sociedade. O que está faltando na sociedade brasileira é debate sobre os seus problemas e suas possíveis soluções.


Sul21: Neste momento, há vários grupos se reunindo e discutindo a necessidade de formação de novas frentes de esquerda e de setores progressistas da sociedade. Esses grupos vêm conversando entre si?


Do ponto do vista do diagnóstico, todo mundo está com a mesma leitura, ou seja, que a crise é grave, complexa e vai demorar. Mas não há unidade quanto às possíveis saídas. Não tem um programa. Como estão se movendo as forças, acredito que teremos várias frentes. Nós estamos colocando energia na construção de uma que já tem nome, a Frente Brasil Popular, que junta partidos tradicionais, movimentos populares, a UNE, o Levante Popular da Juventude, as pastorais, entre outras organizações. Nós vamos fazer uma conferência nacional dia 5 de setembro em Belo Horizonte para ver se avançamos em nosso programa. Mas acredito que outros grupos de esquerda vão formar outras frentes, alguns porque tem uma vocação mais eleitoral e querem tirar proveito dessa crise do PT.No entanto, não creio que uma frente de esquerda limitada em sua base social, por mais clareza ideológica que tenha, consiga acumular força. Agora, mais do que saber para onde tu tem que ir, é preciso ter força social acumulada. E, em períodos de crise, para ter essa força social acumulada, é preciso contar com todos os que querem mudanças, sem exclusão ideológica. No caso da Frente Brasil Popular, o espectro de forças com que estamos trabalhando é quem votou na Dilma no segundo turno, que não são poucos. Se conseguirmos aglutinar numa frente cerca de 54 milhões de brasileiros, teremos uma força suficiente para impulsionar mudanças dentro do governo e se preparar para o pós-Dilma.


Sul21: Uma última questão. Se fosse possível definir numa frase o principal desafio que a esquerda brasileira tem hoje, qual seria ela na tua opinião?


Construir força popular organizada. A esquerda desaprendeu a fazer trabalho de base, de conscientizar o povo, de fazer pequenas reuniões. Faz 20 anos, que a esquerda só pensa em eleição. Temos que parar um pouco de pensar em eleição. Não que a eleição não seja importante. Claro que é importante, pois faz parte da democracia. Nós temos feito bons diálogos com o Tarso (Genro) no sentido de que a esquerda precisa recuperar mais o Gramsci. Como viveu num momento de crise do movimento operário italiano, ele tem reflexões que são apropriadas para o período que estamos vivendo. Entre as várias contribuições de Gramsci, uma delas é essa visão de que na luta por mudanças sociais, a luta de classes se manifesta em todos os espaços da vida social. Aparece numa rádio comunitária, num sindicato, num bairro, numa igreja, num jornal, numa fábrica, no comércio, numa praça. Todos são espaços de disputa. E nós, no passado recente, reduzimos tudo isso à disputa eleitoral.


Precisamos preparar a classe trabalhadora para que ela possa disputar, com as suas ideias, todos os espaços da vida social, pois tudo isso é poder político, não só o governo. Para isso, precisamos também recuperar o trabalho de formação de militantes, que a esquerda abandonou. Há uma juventude aí que está a ver navios. A formação política é o casamento permanente entre luta de massas e formação teórica. E a esquerda não fez nenhuma das duas coisas neste último período. A luta de massa foi reduzida à eleição e a formação teórica foi abandonada. Felizmente, a direita está recolocando em nossa pauta a importância da luta de massa. Se não formos para a rua disputar com eles, eles vêm pra cima de nós.

Resquícios da Casa Grande em tempos de conquista de direitos pela Senzala

A PEC 241, aprovada na Câmara, é estruturante do modelo ultraliberal que buscam implementar, como também a reforma da Previdência, a prevalência do negociado sobre o legislado, o projeto da terceirização, entre outros. O movimento é de regresso. Nessa dança, a Casa Grande dá o tom e o som

As desigualdades se aprofundam em tempos de capitalismo globalizado e hegemonizado pelos interesses das finanças. Enquanto em 1973 a população 1% mais rica detinha 10% da renda, em 2013 passou a deter 20% (PIKETTY, 2014). Nesse cenário, os direitos sociais sucumbem à força bruta e às políticas de ajuste que, apesar de comprovadamente ineficazes, continuam sendo “recomendadas” pelos organismos emprestadores de dinheiro.

Movido por um desejo insaciável de acumulação de riqueza abstrata (BELLUZZO, 2013), o capitalismo vai engendrando novas formas de organização, buscando eliminar quaisquer obstáculos ao seu livre trânsito. No Brasil, por exemplo, as políticas sociais públicas inclusivas, o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho. Não à toa, em recursos extraordinários, está sendo postulado do STF que “roube a fala” do TST para que este, em suas decisões, não ofereça limites “à livre iniciativa”, como se estivéssemos no século XIX, em tempos da Constituição liberal de 1891.

Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala, desnudou o caráter despótico da sociedade escravocrata brasileira. Uma sociedade centrada na vontade e no poder do senhor da Casa-Grande, o qual não conhece o bem e o mal; apenas seus desejos, a tudo e a todos objetivando para realizá-los (BIAVASCHI, 2007).

Em 1888, a Abolição livrou o país de seus inconvenientes. Quanto aos negros, porém, abandonou-os à sorte. Nesse processo, consolidou-se a exploração de uma mão de obra barata, em uma sociedade cujo tecido era costurado pelo signo da desigualdade e da exclusão (OLIVEIRA, 1990). As dificuldades de integração à sociedade eram atribuídas à inferioridade racial: marcas de uma herança que acabaram inscritas na estrutura social, econômica e política deste Brasil de mil e tantas misérias[1]. Assim, a relação entre escravo e senhor apenas formalmente acabou por culminar no homem “livre”, sem que fossem superadas as condições instituintes da dominação e sujeição (BIAVASCHI, 2007).

Ainda hoje há resquícios dessa herança que se expressam, por exemplo, na ausência de uma política eficaz de democratização do acesso à terra e à renda; nas dificuldades enfrentadas para regulamentar a “PEC das domésticas” e a PEC 57A/1999 que permite a expropriação da propriedade quando evidenciada exploração da força de trabalho análoga à de escravo; nas tentativas de flexibilização do conceito de trabalho escravo; nas formas de preconceito e discriminação presentes na formação da sociedade brasileira que, extrapolando a esfera doméstica, volta e meia afloram em diversos setores da sociedade, da política e do Judiciário (BIAVASCHI, 2007).

A partir de 1930, em processo não linear completado pela Constituição de 1988 – que elevou os direitos do trabalho à condição de direitos fundamentais sociais e condicionou a livre iniciativa aos princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho -, mulheres e homens trabalhadores, a ferro e fogo, foram conquistando o status de sujeitos de direitos trabalhistas, passando pela: criação das Juntas de Conciliação e Julgamento, em 1932; CLT, em 1943; regulamentação da Justiça do Trabalho em 1939, instalada em 1941 e integrante do Judiciário em 1946.

Justiça essa incumbida de concretizar um direito novo, profundamente social que, desde sua gênese, buscou compensar a assimetria nas relações de poder entre empregado e empregador, colocando diques à ação trituradora do movimento do capital. Daí porque esse Direito e as instituições aptas a dizê-lo têm sofrido duros golpes em tempos de regresso liberal (BIAVASCHI, 2007).

Nos governos Lula e Dilma, a política de valorização do salário mínimo, os programas sociais como Bolsa Família e outros, os benefícios da Previdência, o Pro-Uni, os sistemas de quotas, enfim, constituíram um patamar civilizatório que melhorou a vida dos menos favorecidos. Mesmo assim, ainda que os dados da distribuição de renda evidenciem melhoras, o Brasil permanece entre as piores posições, como os gráficos a seguir mostram-no em relação a alguns países do mundo e a evolução recente do índice no País.

grafico distrib de renda

Ainda que muito se precise andar para completar a caminhada de superação das heranças coloniais, interesses econômicos e financeiros internos e externos ao Brasil interromperam esse processo. O impeachment da Presidente Dilma, sem prova de crime que o justifique, golpeou a democracia brasileira.

As forças que se aglutinam em torno dele deixam a cada dia evidente que, além dos temas relacionados à soberania nacional, a questão que as move é introduzir uma agenda ultraliberal, com potencial altamente desigualador e impacto negativo às políticas inclusivas, justo em tempos em que as desigualdades são acirradas pela ditadura dos mercados financeiros (BIAVASCHI, KREIN, 2016).

A PEC 241, aprovada na Câmara, é estruturante do modelo que buscam implementar, como também: a reforma da Previdência; a prevalência do negociado sobre o legislado; o PLC 30/2015 (PL 4330/04 na Câmara) que libera a terceirização para quaisquer atividades; a flexibilização do conceito de trabalho escravo; a redução da idade para o trabalho, entre outras.

Os que as defendem apostam no aprofundamento do ajuste fiscal, com severo corte de gastos públicos. E ao argumento falacioso da conquista da “modernidade”, maior produtividade e competitividade, clamam pela “quebra” da “rigidez” das normas da CLT de 1943, verticalizadas pela Constituição de 1988. O movimento é de regresso. Nessa dança, a Casa Grande dá o tom e o som.

O programa “Uma Ponte para o Futuro”, do PMDB, fundamenta muitas das propostas do governo Temer. Acaso aprovadas, mais uma vez serão colocados obstáculos à difícil caminhada superadora das heranças coloniais rumo a uma nação moderna e industrializada, hoje integrante do G20 e dos Brics. Sua não adoção pela então Presidente – segundo o Presidente Temer referiu nos EUA em encontro com empresários – teria sido uma das razões do impeachment.

Daí causarem perplexidade as declarações do Ministro do STF, Gilmar Mendes, incumbido de zelar pela Constituição, sobre Bolsa Família, afirmando ser “compra de voto”, e sobre a Justiça do Trabalho. Em liminar, que se confia não terá chancela da Corte, suspendeu o andamento das ações sobre ultra-atividade de normas coletivas, forte na Súmula 277 do TST, assinalando que essa interpretação atende a uma “lógica voltada a beneficiar apenas os trabalhadores”, cogitando de “fraude hermenêutica”, “jurisprudência sentimental”.

Em São Paulo, vaticinou: “Tenho a impressão de que houve uma radicalização da jurisprudência, no sentido de uma hiperproteção do trabalhador, tratando-o quase como um sujeito dependente de tutela”, afirmando que o Brasil é “desenvolvido industrialmente” com “sindicatos fortes e autônomos” e, inclusive, um Presidente “vindo da classe trabalhadora”.[2]

Em um país de profundas desigualdades, com desemprego novamente alarmante e formas de contratação burladas que retiram da proteção social milhares de brasileiros, tais afirmações privilegiam um dos polos da relação, o capital. Opção que, contraposta ao princípio constitucional do valor social do trabalho que fundamenta a ordem social e a econômica (artigos 1º, IV e 170), acirra as inseguranças, fomenta a violência e traz sérias dificuldades à construção de uma sociedade civilizada e democrática. Sonho do qual a humanidade ainda não acordou. Muito menos o Brasil.

Referências bibliográficas

BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O capital e suas metamorfoses. São Paulo: UNESP, 2013.

BIAVASCHI, Magda Barros. O direito do trabalho no Brasil – 1930-1942. São Paulo: LTr, 2007;

BIAVASCHI, Magda Barros; KREIN, José Dari. O retorno ao passado II: o canto da sereia e os desencantos na nova ordem. In: RAMOS, Gustavo Teixeira; MELO FILHO, Hugo Cavalcanti, LOGUERCIO, José Eymard, RAMOS FILHO, Wilson (Orgs.). A Classe trabalhadora e a resistência ao golpe de 2016. Baurú: Editorial Praxis, 2016.

BARBOSA DE OLIVEIRA, Carlos Alonso; HENRIQUES, Wilnês. Cadernos do CESIT. Texto para discussão nº. 03. Determinantes da Pobreza no Brasil. Campinas, julho de 1990

PIKETTY, Thomas. O Capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

PMDB. Uma Ponte para o Futuro. São Paulo: Fundação Ulisses Guimarães, 2015. In. http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf. Acessado em 25 de abril de 2016.

Nota

[1] Em referência a Guimarães Rosa, Grande Sertão:Veredas.

[2] Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/4752055/gilmar-mendes-acusa-justica-trabalhista-de-hiperprotecao.

É é desembargadora aposentada do TRT4, pós-doutora em Economia do Trabalho pelo IE/UNICAMP e pesquisadora no CESIT/IE/UNICAMP

Foi vice-governador do Rio Grande do Sul e ministro do Desenvolvimento Agrário e do Trabalho e Emprego, respectivamente, nos governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff