terça-feira, julho 14, 2009

INVERNO

Os campos amanheceram cobertos pela geada. Coloquei a chaleira no fogo, cevei o chimarrão; de poncho fui à rua espiar o céu. Limpo, claro, repleto de luz. Estendi acampamento ao ar livre; o sol matutino convocando para um lagarteio. Enquanto ouvia as primeiras notícias na rádio Guaíba sorvi as primeiras cuias do dia; são as melhores, amargas e repletas de pensamentos. O mundo tão silencioso tornou possível indagações mis. Ao redor só o cusco, velho companheiro, por vezes estirado, mas de tempos em tempos atento, como se pudesse compreender as notícias ou os amargos pensamentos. Ao menor movimento que fazia, acompanhava-me, de forma incondicional. Fui à bergamoteira e colhi duas ou três coloridas pocans. Plenas de caldo; não sei se eram realmente doces ou se o amargo do mate desviou o paladar.
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Iniciei as lides. Depois de uma noite fria e de um dia claro de sol sempre há outra noite ainda mais fria. Por isso me pus a picar cernes de lenha a machado. O frio foi aos poucos cedendo espaço ao conforto de uma manhã ensolarada de inverno e o trabalho com a lenha quase fez suar. O movimento do machado é desses que, com o tempo, se faz ao natural, repetidamente, uniforme, invariável; de modo que, depois de dez ou quinze machadadas, a mente está livre de novo para cogitar e indagar. Pensei nela e no que estaria fazendo naquele momento na Capital. Mais um dia atribulado na cidade, de afazeres, de estúpidas lidas modernas que não levam a nada, a não ser outro dia entre quatro paredes e outra noite para se pensar nos compromissos das próximas vinte e quatro. Aonde se chega com tanta dedicação ao que te é imposto ?
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Cebola, alho, uns toretes de carne que sobraram do assado, arroz e tempero (adobo e manjerona); água e o transcurso do tempo. Mais umas cuias para terminar de abrir o apetite. As atualidades do esporte no rádio; impressionante o mau humor do Cláudio Cabral com o dia do rock´n´roll. O Internacional de mau a pior. Um cálice de vinho.
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Uma cesta impressionante, debaixo das árvores, sob o canto dos pássaros, tapado pelo poncho.
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Já é quase noite. Vou à mercearia. O cheiro do pão está na esquina. Não há como o pão feito na hora, recém saído do forno. Pego um ainda quente, antes mesmo de fechar o saco. Para aproveitar o calor do forno que extrapola os limites da padaria, jogo uma conversa fora com a guria. E lá estão o Adão, o Chico e o Lairton, todos atrás do pão sagrado para o café da tarde e das polêmicas e notícias de um dia ensolarado de inverno.
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Nada novo. Agora é noite. Faz frio. A lenha queima.

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