domingo, novembro 13, 2011

Mulheres

na maior parte do tempo em que um homem está tentando
escrever
alguma mulher entra e sai
ela quer isso
ela quer aquilo.

na maior parte do tempo em que um homem está escrevendo
ocorrem discussões simultâneas com alguma mulher.

não é fácil discutir com uma mulher e escrever
ao mesmo tempo.
às vezes eu acho que as mulheres têm ciúmes da
máquina de escrever.

a máquina de escrever dá a elas refeições e restaurantes,
um carro decente, roupas, sapatos.
mas elas têm ciúmes da máquina de escrever.
"quando você vai pro andar de cima para escrever, eu fico completamente
sozinha", elas dizem.

quando eu vou lá pra cima para escrever eu fico sozinho
também.
houve vezes em que não havia
um andar de cima.
houve vezes em que havia um quarto
com o banheiro no fim do
corredor.
houve vezes em que não havia um
quarto ou uma máquia de escrever, apenas um
banco de praça.

"aquela máquina de escrever é a sua muleta"
elas dizem sabiamente.

estou velho demais para voltar para a fábrica,
a fábrica não iria me querer
agora.

felizmente
esta máquina tem sido tão fiel a mim
quanto qualquer mulher que eu tenha conhecido.

e hoje a noite é especial.
esotu sozinho de novo
exatamente como quando comecei.

meus dedos batem nas teclas.
a guerra nunca acabou.
eu gosto dessa luta.

e agora fica claro para mim que
não há nada tão bonito e
puro e tão pefeito quanto o
verso bem escrito. (BUKOWSKI, Charles - "os melhores homens são mais fortes sozinhos" - do livro VIDA DESALMADA)

kamikaze II

"No salão onde ocorriam as festas de despedida, os jovens oficiais estudantes bebiam saquê frio. Alguns engoliam o copo de um só trago. Outros sorviam grandes quantidades em goles consecutivos. O local se tranformava em caos. Alguns quebravam lâmpadas com suas espadas. Outros arremessavam cadeiras contra as janelas e rasgavam as toalhas da mesa. Um misto de hinos militares com xingamentos enchia o salão. Enquanto alguns vociferavam em fúria, outros soluçavam. Era a última noite de suas vidas. Embora, para todos os efeitos, estivessem prontos a sacrificar sua preciosa juventude ao alvorecer, em nome do imperador e do Japão, eles estavam dilacerados - uns repousavam a cabeça na mesa, outros escreviam testamentos ou juntavam as palmas das mãos em meditação, ou dançavam feito alucinados. Na manhã seguinte, todos decolaram, porando a faixa com o sol nascente na fonte." (relato de Kasuka Takeo - serviçal japonês da base naval de Tsuchiura durante a 2a Guerra Mundial - Revista Piaui n. 61)

kamikaze I

O pai de Sasaki Hachirö fez o possível para dissuadir o filho de ser voluntário para a missão de piloto kamikaze. Não tendo conseguido, jamais voltou a lhe dirigir a palavra. Mesmo quando Hachirö, com 22 anos de idade, veio se despedir, o pai saiu de casa e só retornou na manhã seguinte. Terminada a guerra, a família recebeu uma notificação da morte de Hachirö, junto com uma medalha e uma pequena soma de dinheiro. Sem dizer nenhuma palavra, o pai pegou o dinheiro, foi até uma loja de bebidas, comprou saquê e o bebeu sozinho." (Revista Piaui n. 61).

Pampas

"Uma coisa que sempre me impressionou na Argentina foi a diferença de alma entre a cidade e o campo. Nas cidades, os desentendimentos entre grupos e ideias são numerosos, e muitas vezes violentos. No campo - sobretudo no grande pampa - parece haver uma verdadeira harmonia entre patrões e peões, e uma ampla tradição de trabalho compartilhado.

Como a escravidão acabou cedo, e também nunca foi significativa nos pampas, o convívio se deu sempre entre pessoas livres e muito mais homogêneas em termos de cultura e etnia. Os números eram também pequenos, o que facilitava um espírito de aproximação e solidariedade naqueles imensos espaços.

Em mmomento de grande tumulto urbano e de acentuada radicalização política, uma grande senhora argentina teria dito, de forma memorável: Si viene el comunismo yo me voy a la estancia. A frase é citada como uma versão gaucha do comentário atribuído a Maria Antonieta de que, na falta de pão, o populacho deveria se alimentar de brioches. Não creio ter sido exatamente essa a intenção da senhora, embora a idéia de que, num regime comunista, ela pudesse conservar suas terras e seu gado não lhe parecesse verossímil." (Marcos de Azambuja - Revista Piaui n. 61 - outubro/11)

Mulheres

- Outra coisa que eu gostei na sua casa é a imundície. Garrafas de cerveja espalhadas pelo chão, montes de lixo por tudo quanto é canto, pratos sujos e uma coroa de merda na privada e a craca na banheira e todas aquelas giletes enferrujadas em volta da pia do banheiro. Eu sabia que você era capaz de chupar uma xoxota.
- Você julga o homem pelo lugar onde ele vive, né ?
- É. Quando vejo um homem de casa arrumada eu sei que tem alguma coisa errada com ele. E, se for muito arrumada, eu já sei que o cara é bicha. (BUKOWSKI, Charles - "Mulheres")