terça-feira, março 18, 2008

SAÚDE

"O importante é ter saúde". É essa sentença, dita de um mendigo, com bafo de álcool exalando, às 15 horas, debaixo de um sol torrencial, parece soar engraçada e contraditória. Faz pensar. Em meio à confusão do dia-a-dia, em que todas as coisas - e também as pessoas - são deixadas de lado, ouvir isso de alguém tão desamparado socialmente me leva à reflexão. Mas há tantas coisas sobre as quais refletir. E, geralmente, não consigo tirar conclusão alguma do tanto que reflito. Só consigo concluir que está cada dia mais complicado acordar, sair da cama, caminhar. O importante é que tenho saúde, penso. Sim, mas até quando ? - é o pensamento seguinte. E será que tenho mesmo ? Saio a dar um giro pela cidade e vejo uma senhora, beirando os setenta, caminhando curvada, acima do peso, com nítida dificuldade para dar uns breves passos, em meio à confusão do trânsito e das calçadas. Motoqueiros buzinam incessantemente e se contorcem em meio a centenas de carros. Sinaleiras abrem e fecham e os cruzamentos ficam cada vez mais entupidos e confusos. Buzinas, muitas buzinas. Tento fechar o vidro e ligar o som num volume suficiente a me privar do mundo externo, mas está muito quente, abafado. Volto à realidade e é difícil pensar em algo diferente de "o importante é ter saúde". Chego num CFC, preciso renovar minha habilitação, já vencida aliás. Uma série de instruções no balcão, incluindo a necessidade de levar, numa próxima ocasião, fotos 3x4 (coisa que eu imaginei nem existisse mais), um comprovante de endereço (para quê?!). Daí por diante é só pagar algumas taxas (que reunidas totalizaram R$ 116,oo), realizar um exame médico e uma prova de defesa defensiva e meio ambiente (?!). No fundo, penso, já imerso no trânsito, o que importa é pagar as taxas. E como é complicado estar em dia com as taxas da vida. Com as taxas que nos cobram o governo, o comerciante, o flanelinha e todos que nos rodeiam. Não é difícil alguém te fazer sentir devedor de algo, de uma obrigação não contraída, de um passe na quadra, de uma passagem no trânsito, de um sorriso ou de uma lágrima, de uma mentira ou de um maço de cigarro, de uma frase bem colocada, de uma dessas tantas taxas. O próprio telefone, hoje em dia, para que serve ? Talvez para dar trabalho a muita gente que te importuna, em meio a esse monte de coisas que é o dia-a-dia. Aquele mendigo, o que acha importante ter saúde, me perguntou se eu trabalhava ou só ficava em casa repousando. Sorri e respondi, já saindo com o carro, que trabalhava. Sim, claro, trabalho. Aparentemente trabalho e, aparentemente, tenho saúde. Um dia volto lá e retomo esse diálogo perdido.

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