terça-feira, março 04, 2008

JOÃO SEM MEDO

"OS NÚMEROS" - crônica de João Saldanha, publicada no O GLOBO, em 23.06.1970

"CIDADE DO MÉXICO - Uma coisa muito importante para o futebol foi amplamente comprovada nesta Taça do Mundo. Quero me referir aos sistemas de marcação 'por número´.
Penso que é dever ser considerado ridículo falar sobre futebol moderno tentando enumerar as linhas do campo.
Assim, quem quiser explicar um jogo de futebol moderno dizendo ou escrevendo que esta ou aquela equipe jogou 4-2-4 ou 5-2-3, ou se quiserem ainda 4-4-2 e ainda mais 4-3-3, está enganando os leitores ou ouvintes.
Estou falando, é claro, sobre futebol moderno. Qualquer futebol numérico, nos dias de hoje, é antiquado. Qualquer equipe que jogar uma partida e no dia seguinte o comentarista puder dizer aritmeticamente ou geometricamente como jogou, isto significa que a tal equipe jogou futebol antigo.
É certo que se pode dizer que um quadro jogou fazendo marcação por 'zona', ou que outro jogou fazendo marcação por 'homem a homem', ou com 'líbero'. Muito bem, isto está certo.
Como jogou o Brasil, por exemplo, contra a Itália ? Respondo que o Brasil jogou marcando todo o campo. Onde houvesse perigo tinha um jogador de camisa amarela disputando a bola. Houve ocasiões em que Pelé e Tostão estavam perto de Brito e até na cobertura. Mesmo que o esquema geral de jogo previsse que quem deveria ajudar a defesa eram Jair e Rivelino, Pelé e Tostão retornavam porque o perigo estava mais próximo deles.
Isso quer dizer que qualquer rigidez de jogo deve ser abandonada por quem queira jogar futebol sério.
Os italianos foram antiquados no seu sistema de jogo. Por exemplo: Jair deslocava-se para o meio de campo, Fachetti o acompanhava e uma 'avenida' maior do que o 'Paseo de la Reforma' ficava aberta para o Carlos Alberto entrar e se constituir sempre em perigo permanente para a meta de Albertosi.
Mesmo que Carlos Alberto não tivesse condições de atacar, de todos os modos se constituia sempre em jogada de descanso para a seleção brasileira. Lógico! Carlos Alberto não tinha a quem marcar e andou pelo campo livremente.
Evidentemente isto não estava previsto num esquema rígido e o quadro brasileiro aceitou tudo que lhe foi oferecido.
A Taça do Mundo de 1970 evidenciou de maneira clara e nítida que os sistemas 'numéricos' e os sistemas 'rígidos' pertencem ao passado."

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