* CYNARA MENEZES É JORNALISTA E EDITORA DO BLOG
SOCIALISTA MORENA (www.socialistamorena.com.br)
É PRECISO aprender sempre, com as vitórias e com as derrotas. Caia ou não Dilma Rousseff do governo federal e, com ela, o Partido dos Trabalhadores, a esquerda brasileira não pode deixar de aproveitar o momento para se rever, se questionar e se reconstruir. Seja qual for o quadro que se desenhe daqui para frente, não saímos derrotados. As ruas estão aí para provar o contrário: vermelhas, vivas, pulsantes. Contamos em nossas fileiras com uma juventude inteligente, vibrante, criativa, engajada, disposta a lutar por um futuro melhor para o País e para os menos afortunados. A certeza de estar do lado certo nos move a todos e não nos deixa abater. Dilma Rousseff representa a dignidade, a honra e a honestidade na política. O mesmo não pode ser dito dos que a substituirão, caso o golpe se concretize. A presidenta sairá desta batalha maior do que entrou. Na verdade, os golpistas conseguiram a façanha de nos fazer gostar mais de Dilma do que antes.
Um dos aprendizados que tiramos deste episódio, em minha opinião, é que a aliança com a direita pode até render frutos imediatos. Mas, no longo prazo, cobra a fatura e se desmancha, porque é inconsistente, porosa, oca. É uma aliança de ocasião. Precisamos construir alianças que durem o tempo que for necessário, alianças para o futuro. E que demore o tempo que for preciso para que elas sejam construídas. Sem estas alianças firmes, duradouras, é impossível para a esquerda governar, no Brasil e na América Latina como um todo.
O PT conseguiu 137 votos contra o impeachment. Este, pelo visto, é o atual limite da centro-esquerda dentro de uma Câmara com 513 deputados. O nível dos demais, todos vimos pela TV: despreparados, fisiológicos, intolerantes e de um provincianismo atroz. Não é possível pensar que o País possa avançar com um legislativo assim. A saída para esta sinuca é uma frente progressista, como fez o Uruguai, o único governo de esquerda na América do Sul que não é alvo de ameaças de golpes “constitucionais”, justamente porque possui uma maioria. Como os uruguaios conquistaram isso?
Para começo de conversa, não foi de uma hora para outra. A Frente Ampla surgiu em 1971, reunindo todas as forças progressistas do Uruguai, inclusive dissidentes dos partidos Blanco e Colorado. Só foram ganhar a primeira eleição para a presidência 33 anos depois, em 2004, com Tabaré Vázquez. Em 2009 seria eleito José “Pepe” Mujica, e em 2014 novamente Vázquez. Outra coisa que podíamos copiar: no Uruguai não existe reeleição e o mandato é de cinco anos. O PT já pensou assim, até chegar ao poder...
Com uma sólida base de apoio no Congresso, a Frente Ampla pôde conquistar o impensável, sobretudo no governo Mujica: aprovou o direito ao aborto, legalizou, de forma pioneira no mundo, a maconha e também o casamento gay. Diante da maioria, as parcelas mais conservadoras da sociedade uruguaia tiveram que ficar caladas e aceitar. A mídia fez oposição, principalmente à descriminalização da maconha, mas de nada adiantou. Uma situação diametralmente oposta à nossa, onde o PT nos últimos anos foi derrotado em quase tudo, e tem perdido também o debate em significativas parcelas da sociedade.
Juntos na Frente Ampla estão o partido Comunista, o partido Socialista, a Aliança Progressista, o Partido Operário Revolucionário, o Partido Socialista dos Trabalhadores e outros grupos de esquerda. Há, dentro da frente, desde marxistas até liberais e democratas cristãos. Sim, não é fácil aglutinar tantas forças díspares entre si. Mas, no fundo, desejamos todos a mesma coisa e é preciso ser sábio – ou a direita vai nos engolir.
Após o impeachment passar no plenário da Câmara, alguns movimentos já começam a ser notados, como o de setores do PT falando em reunir forças de esquerda na candidatura à prefeitura do Rio. Há males que vêm para bem: antes da derrota, o PT cogitava apoiar o candidato do atual prefeito Eduardo Paes, um sujeito acusado de bater na mulher. Foi preciso que Pedro Paulo (PMDB/RJ) votasse em favor do impeachment para que o PT se desse conta que este tipo de aliança não tem mais sentido e falasse em se unir ao PSol, ao PCdoB e ao PDT nas eleições cariocas.
Espero que as lideranças petistas possam ser humildes para estender a mão aos setores de esquerda que desprezaram desde que chegaram ao poder. E espero que os setores de esquerda mais radicais aceitem a mão estendida e entendam que é devagar que se vai ao longe. É preciso, para ambos os lados, pôr a cabeça no lugar. Mas que o PT deve desculpas ao PSol, isso deve. Dizem que Lula nunca teria chegado ao poder se não tivesse aberto mão da esquerda do partido e abraçado a realpolitik. Será? Nunca saberemos. O fato é que, na hora em que mais precisou do povo a seu lado, foram seus ex-companheiros psolistas os mais aguerridos.
Não dá para fazer tantas concessões. A esquerda cresce quando confronta. Lula conciliou, conciliou, conciliou e, agora que é um septuagenário, está tendo que confrontar. Acho que a maior lição que fica desta história toda é que não dá para existir uma força de esquerda sólida sem nos juntarmos todos. E isso leva tempo. A pressa é inimiga da perfeição, diz o adágio popular. E é também inimiga da construção de uma esquerda duradoura, com futuro garantido e com conquistas cada vez mais avançadas, ousadas e abrangentes. A luta continua.
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