domingo, dezembro 24, 2006

Fotografias

Olhando as velhas fotografias, que encontrei no fundo do armário, tive a impressão de que o passado estava congelado e perpetuado. Lembrei de cenas e momentos que estavam adormecidos num canto qualquer de minha debilitada memória.
Foi um dia estranho! Já na manhã, ao acordar cedo, tive a impressão de que vultos me rondavam, tentando me dizer ou mostrar alguma coisa. Encontrava-me solitário em casa naquela semana, porque todos tinham ido viajar. Havia pensado numa noite forte, festa, mas, no decorrer do dia, a idéia foi dando lugar a um cansaço e uma nostalgia incríveis. Saí do trabalho, após uma tarde cansativa - não tanto pelos afazeres, mas sim pelo têdio. Para piorar, me aborreci um tanto mais no trânsito insuportável da cidade (ah! essa espinhosa missão de ser obrigado a fazer uma coisa exatamente na hora que todasa as outras pessoas também a estão fazendo).
Chegando em casa, só pensava em relaxar e esquecer aquele dia! Abri a porta, liguei o rádio e escutei o "Show dos Esportes". As novidades do Internacional eram a contratação do paraguaio Enciso e o interesse por Jorginho, zagueiro baiano que chamou atenção à época em que atuava pelo S. C. Bahia (se bem que zagueiro baiano é complicado de acertar).
Desliguei o rádio e fiquei pensando na vida! Vieram-me as inevitáveis imagens do passado... Resolvi procurar a caixa de fotografias. Achei-a no fundo de uma prateleira do armário. Com a companhia de uma garrafa de "Something Special" e aquela coleção de Jazz sendo apresentada à agulha do velho toca discos me debrucei sobre a caixa de fotografias.
Ainda pensei algumas vezes em telefonar para ela, mas o dia não aconselhava tal atitude. Resolvi me "ajorjar" sozinho (lembro que ainda tive a idéia de ligar a secretária eletrônica e me livrar de qualquer chance de incomodação).
Dei início à degustação do wisky, servido em copo baixo, com 3 ou 4 pedras de gelo. Comecei a sentir as vibrações do jazz que soava livre pela sala. Comecei a ver as fotografias. Pessoas e fatos marcados por elas. Tinha a nítida ilusão de estar acompanhado por vultos; pareciam se comunicar comigo através dos timbres da música.
Puxa, como Porto Alegre era linda nesta época! Faz tanto tempo! É incrível como as fotografias conseguem transmitir noções e sentimentos de forma tão fiel. Minha nossa, essa foto é magnífica; lembro perfeitamente do dia em que a tirei: sentado no cais do porto, esperando por alguma coisa, por um momento especial, não tinha sequer idéia de que ele surgiria bem ali, em minha frente, à distância de um simples clicar - aquele momento fantástico em que as imagens passam para a eternidade, num piscar de olhos.
Ouvindo o disco de Gizzy Gilespie, conservado pelo tempo e pela lenda, me sentia ao lado de meu pai. Tinha certeza de que ele estava ali, com sua tranquilidade e sabedoria, me fazendo pensar na vida, nas coisas e nas pessoas. Falava-me sobre coisas das quais não tivemos tempo de conversar; mostrava-me outras que não pude ver; perguntava-me sobre o que eu não pude lhe explicar. Compreendi que o tempo não pode ser freado, mas que eu podia, quando quisesse, parar; ficar um segundo ou uma vida pensando; decidindo, sem interferências, sobre o momento seguinte.
E a noite se foi assim, em meio a lembranças, viagens, lágrimas, sorrisos, timbres, acordes, sopros e imagens. Naquela noite, corri, pulei, senti, chorei, chutei e toquei. Encontrei pessoas que não via há tempos, conversei com elas assuntos que estavam pendentes há anos; visitei-as em suas vidas distantes.
Pois é, neste dia me toquei que as fotografias estarão sempre ali, intactas, esperando por mim. Quando eu precisar, elas estarão lá, guardadas dentro de um armário qualquer, com suas imagens e estórias, prontas para retornar à vida e me transformar no senhor de meu tempo.
LPortinho, 21.julho.1996.

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